quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

Sobre meu velório


Me desculpe a ousadia do tema, mas com as aventuras diárias e os desafios do nosso mundo atual, gostaria que fosse do conhecimento de todos, registrado e com firma reconhecida em cartório.

Sobre a minha morte, quero começar dizendo que prefiro elogios, críticas e sugestões ainda em vida. Acho mais honesto e bonito assim, além de ser mais construtivo, se é que você me entende. O corpo, quero que seja descartado rapidamente (peço apenas para checarem bem se eu não estou lá mesmo antes de concluírem os protocolos fúnebres. Já assisti uns documentários no Discovery Channel sobre algumas doenças que me deixa com um certo medo). Não quero gente chorando em volta daquele que não sou mais eu e olhando no relógio para conferir quanto tempo falta pra acabar a cerimônia. Também não me venham com aquelas coroas de flores que, eu sei, já participaram de outros velórios e foram apenas recicladas com outros nomes. Também não tenham a preocupação elegante, mas ultrapassada de se vestirem de preto. De monocromático já basta o momento.

Ao invés de tudo isso, mandem aquilo que um dia foi eu, para a cremação sem cerimônias(volto a frisar que pode me me chacoalhar bastante e até dar alguns tapas na cara, pra ter certeza que morri!). Não façam muito alarde, mas postem no meu blog e nas minhas redes sociais apenas a palavra “Fim”, para que aqueles que se importam sejam avisados. Escolham uma foto bonita(se é que existe alguma) pois será o último post (todas as minhas senhas e logins estarão numa pasta oculta chamada "Ragnarok" no meu notebook e na segunda gaveta do meu guarda roupa dentro de um caderno, junto a umas fotos da minha infância). Recebam todos em minha casa, sirvam bem todos eles. Escolham algum violonista bom para tocar de fundo, talvez João AlexandreYamandu Costa, Tommy Emmanuel e não deixem a música cessar. Sirvam hambúrguer(da Bravo), pizza e também torta de churros com doce de leite. Usem o tempo para conversarem e rirem. Caso lembrem de alguém a quem tenham magoado, liguem e peçam perdão, digam que estão numa festa e lembraram dele. Minha tia fará bolo prestígio e bolo pudim! Quero que todos experimentem como fui bem tratado.
Cara, como eu queria estar aí...

Quando entardecer juntem-se e vão no MAM ver o pôr do sol. Ninguém entende porque gosto tanto de lá, mas é um lugar onde gostaria de estar se estivesse vivo, e talvez entendessem o significado de lá. Abracem muito a minha família e, pelo menos por um tempo, frequentem a minha casa até que eles fiquem melhor. Prometo que se lá de cima eu puder fazer alguma coisa para não chover neste dia, eu o farei. Mas se chover, saibam que não pude fazer nada, mas tomem chuva mesmo assim. Se molhem à toa e achem graça nisso. Meus cobertores serão distribuídos para que todos possam voltar secos e aquecidos para casa.

Ao final do dia, de mãos dadas, orem. Agradeçam a Deus por tudo que fomos juntos, pelas coisas que construímos e pelas relações que tivemos. Façam um círculo ao redor de uma fogueira, contem histórias sobre mim, e o que eu tenha deixado de legado(se é que deixarei), e cantem a música "Essência de Deus" do João Alexandre e tenham a certeza que apesar da vida muitas vezes ter sido duríssima comigo, implacável, eu a amei até o último pó da rabióla e que apesar de não demonstrar, fui um homem inundado de sentimentos.

Conheçam todos aqueles que vocês não conheciam até este dia, apresentem entre si os solteiros, os tímidos e os músicos, e riam muito disso...

Após tudo isso, será servido um chocolate quente e pão e todos voltarão em paz e em segurança.









segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

A linguagem dos olhos


Sempre gostei de escrever. Saí da escola e continuei escrevendo e levando redações para a professora de língua portuguesa por um tempo. Nos cursinhos praticava redação, e o gosto pela leitura, sempre me fez ter vontade de me expressar na escrita, até porque, se já sou difícil de ser compreendido na escrita, sou menos ainda na fala. Na faculdade também tinha uma disciplina chamada "Oficina de Leitura e Escrita". No curso técnico também tive matéria de "Redação técnica". Mas depois que eu cresci um pouco mais, vivi um pouco mais e me relacionei um pouco mais, comecei a perceber que existia algo além, como uma nova linguagem que não era escrita. Como observador que sou, notei que as mãos, os pés, a respiração, a forma de andar, sentar, tudo também me passava mensagens recheadas de significados. Li autores como Pierre Weil e Roland Tompakow que ensinavam sobre as mãos suadas, pés inquietos, boca seca, poros dilatados, pele arrepiada, lábios, braços, dedos, inclinação do corpo, direção dos joelhos e eles, os olhos.


Mas nada denuncia tanto a alma como os olhos. Talvez por isso, hoje em dia as pessoas mintam tanto pela internet, porque estão seguros da exposição do olhar. Talvez por isso a tarja preta vá só nos olhos, porque se eles estão cobertos a intimidade não vaza. Talvez por isso um olhar inesperado valha mais que mil toques. E também faz com que um beijo com olhares desviados não valha nada. Acho que era pensando no poder dos olhos que o Leminski disse “repara bem no que eu não digo”. Tom Jobim compôs “Pela luz dos olhos teus”, e o Djavan disse que “o mar vazou de uma paixão, atravessou os meus olhos e encheu a minha mão”. Entende? Em algum momento tem que passar por eles...

Se rodear de pessoas legais e bonitas é legal, mas gostoso mesmo é estar com quem entende seus olhares. Quando o comentário jamais poderia ser falado, você só olha e o outro já sacou tudo. Mais do que isso, te olha de volta sorrindo, sem usar a boca. Isso é cumplicidade, e a parceria também vem por aí. Se o Amor vem de dentro não tem outro lugar por onde sair.. Eu poderia escrever um livro inteiro sobre certos olhares. Alguns pedem mais um pedaço do bolo, outros pedem ajuda com as compras, outros demonstram que as coisas não estão bem e há aqueles que ensaiam pedidos. O olhar as vezes é a resposta para uma pergunta que nem foi feita, ou uma pergunta também. Dizem que orar de olho fechado é meramente artifício para não desviar atenção, evitar distrações, mas na minha experiência particular, no meu quarto, orar de olho fechado me faz "enxergar Deus". Também fecho os olhos para sentir melhor a música. 
Aprendi a me comunicar melhor com os olhos. Ainda é um desafio pra mim, conversar olhando nos olhos. Geralmente desvio o olhar, olho pra baixo, fixo em algum objeto. Só consigo encarar de longe, ou por auto proteção ou medo. Mas através do olhar, eu demonstro as minhas vontades e sentimentos presentes, e é olhando nos olhos que eu encaro quem pensa que me assusta. A cabeça erguida simboliza coragem não pela posição do pescoço, mas porque assim os olhos focam no que está por vir.

Mas, se meus olhos me deduram tanto, já adianto que com eles eu tiro fotos mentais suas e as guardo na mente esperando sua chegada.
A alguém, que um dia possa vir a chamar de “a menina dos meus olhos”.